i gave my life to a simple chord

sábado, dezembro 28, 2002

Viu, só pra avisar que cheguei ao Rio e não vou dar cano no meu próprio lançamento mais uma vez. Estarei na Bunker, sentada e comportada na banquinha vendendo meus livros. Se é que vai vender algum, claro.

Agora eu vou para as ruas respirar e ver coisas bonitas e pensar naquele velho plano de mudar para o Rio.

.: Clara Averbuck :. 3:28 PM

quarta-feira, dezembro 25, 2002

A quebra de uma tradição milenar

Natal, então. Papai Noel no calor, peru, primos, neve artificial, corais de crianças desafinadas e irritantes, duendes, coisas que engordam, propagandas com músicas emocianantes, pessoas loucas se acotovelando nos shoppings, essas coisas.

Meu saco.

Agora, aconteceu uma coisa estranha comigo esse ano: passei o natal em família. Dos outros. Porque meu namorado é um cara família e me levou para a família dele, ignorando o fato de que o natal, para mim, serve para confraternizar com meu próprio mau humor, e que eu não passo o natal nem com a MINHA família, e que eu gostaria de ficar em casa escrevendo e cumprindo o que faço desde que o natal é natal, mas nããão, eu tinha que ir passar o natal com os avós dele e os primos e as tias e os sobrinhos, todos muito adoráveis, especialmente o primo dele que eu não vou ficar citando o nome aqui pra não constranger o moço, mas enfim, eu adoro o primo dele, e a mãe dele me deu um livro fera -- aliás, único presente que ganhei, além de uma blusa rosa da avó dele --, mas foi um natal em família e qubrou totalmente a minha tradição. Reclamem com ele, por favor. Digam que ele não pode quebrar uma tradição tão importante. Expliquem para ele, porque vindo de mim, não adianta porra nenhuma. E eu não posso nem ficar em paz escrevendo aqui no computador da família dele, não, porque amanhã tem OUTRO natal em família, e esse requer pegar estrada, então meu texto de natal vai ter que ficar pra depois do natal. Diferente do ano passado, quando tive um natal solitário e feliz comendo sanduíche de atum e tomando meu drink White Stripes, que consistia em vódega, licor de cereja e leite condensado e embebedava rápido e dava enjôos, não vou poder passar a noite pendurada na internet. Era tão legal.
Sabe, eu só quero ter uma casa de novo. Só isso.
Papai noel, agora eu quero que você exista, viu, se der, por favor, me traz uma casa, uma chave de apartamento, uma barraca, um bote inflável, qualquer coisa, e deixa debaixo da árvore de natal lá na frente que eu juro que só reclamo de natal de novo no ano que vem.
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Ai, eu quero tanto contar uma coisa, queria tanto contar hoje, sabe, no natal, aquela coisa bonita de guardar as surpresas e tudo, mas as pessoas me proibiram de tornar público por enquanto. Por enquanto, porque logo será evidente e inevitável e eu vou ter que contar e vai ser altos massa e eu nunca mais vou falar em outra coisa em toda a minha gr... gasp, vida. Enfim.
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Atenção, cariocas

Dia 28, na Bunker, lançamento do Máquina de Pinball junto com o Glamourama, na festa da London Burning. Não vai rolar em livraria porque não deu, mas eu ainda vou tentar marcar e aviso por aqui. Oh yeah, estou indo para o Rio ver a Helena e o Nix e o Jazzmo e a Lia e todo mundo que eu amo e morro de saudades. E vou exibir minha bunda branco starfix na praia junto com minha grande barriga e meu biquini de oncinha pin-up.
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E agora eu vou dormir. Muito a contragosto, mas vou. As coisas que eu não faço por amor. Puta que pariu, tá. Ainda se eu pudesse encher a cara de tudo que eu enchia a cara antes... Mas paciência. Agora não dá mais.
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Oh, and Beanie says hello.

.: Clara Averbuck :. 2:18 AM

quarta-feira, dezembro 18, 2002

A infindável saga do Marreco Amarelo Recheado From Outer Space

Leiam.

O Cassiano é um dos caras mais trimmmassa de todos os tempos. E o livro dele vai ser do caralho.

E já que eu não ando postando muito mesmo, leiam umas entrevistas por aí. Tem a do Bacana e a do Trópico, que eu fiz junto com o Mirisola e não achei nunca mais.

Então, néam. Tchau.

.: Clara Averbuck :. 9:15 PM

Meu caro Vernon

Olha, vamos esclarecer umas coisas por aqui. Um mocinho me escreveu cobrando, dizendo que eu escrevia tão bem na época do texto de natal citado abaixo, que eu agora só reclamo, yadda yadda yadda. Bom, em primeiro lugar, eu sempre reclamei, desde o momento em que irrompi do ventre da minha mãe. Não gosta, meu amigo, vai ler um livro, sei lá, vai um Machado de Assis aí? Estou relendo Dom Casmurro e adorando. Acho que você devia, em vez de incomodar os escritores homeless e cheios de problemas como eu.

Escritor precisa de paz. A vida pode ser uma tormenta só, mas na hora de escrever, quero um copo de um lado, um cigarro queimando no cinzeiro do outro e um gato furrando no meu colo. Paz e solidão, duas coisas que definitivamente não tenho no momento. Também seria legal ter uma casa, sabe? Não é exatamente confortável viver mendiga na casa do seu namorado, com um monte de caixas entulhando a sala dele, um monte de livros espalhados pelo quarto dele, um monte de discos girando pelos cantos dele, uma bagunça do caralho em um lugar que não é meu.

Paz, solidão e casa, três coisas que definitivamente não tenho.

Mas um dia eu tive, tive casa, tive até internet, tive um quarto, meus gatos esgueirando-se pelas frestas de sol, minha pimenteira na janela, meus livros em ordem, meus discos alinhados, meus brinquedos na sala, as almofadas no lugar, tudo no lugar, tudo, tudo. Inclusive eu. Uma mesa, uma cadeira, nada de escrever com o notebuck apoiado nos joelhos, nada de ficar deitada na cama com travesseiros nas costas tentando digitar direito, nada disso. Uma mesa, uma cadeira, a coluna ereta, tudo funcionando direitinho. Inclusive eu.

Será que alguém em algum lugar entende a merda que é viver de favor em situação precária, de favor, impotente como um hidrante diante do jato de mijo do cachorro? Irônico, porque eu não tinha nenhum dinheiro naquela época, nenhum, vivia de passar calote nos restaurantes das redondezas. Agora até possuo alguns reais, mas eles não servem para nada se eu não consigo achar um lugar para ir. Então, meu caro leitor que me escreveu cobrando, porque você não me ajuda a encontrar um lugar, uma casa que não precise de fiador? A sua, quem sabe. Talvez você queira ser meu fiador, ou fazer o seguro fiança em seu nome. Ajudaria bastante. Senão, aceito a sua casa, a sua mesa de computador, a sua conexão de internet, o seu modem - o meu está queimado -, a sua mesa de computador, a comida da sua geladeira e o conforto da sua cama macia. Claro que você teria que arrumar outro lugar para morar; lembre-se que preciso de paz, solidão e gatos, e você não é um gato, tampouco é o meu gato, então não adianta. Você não estaria incluído no pacote. Você ficaria sem casa e sem paz, já que eu estaria usando a sua, e talvez assim entendesse mais ou menos a merda em que a minha pessoa se encontra. Mais ou menos porque isso, meu caro leitor, é só a ponta do iceberg. Então, francamente, vá em algum sebo, compre um livro baratinho, achei meu Machado por um real, você também consegue, ache um livro baratinho e não me torre a paciência. Obrigada.

.: Clara Averbuck :. 8:30 PM

segunda-feira, dezembro 16, 2002

Então, vou ali dar um depoimentozinho no DEIC e já volto.
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*sigh*

.: Clara Averbuck :. 2:04 PM

quinta-feira, dezembro 12, 2002

Holy Hand Grenade

Meu corpo é meio esquisito, sabe.
Quando eu durmo de dois em dois dias, vivo de barras de cereal ou ervilhas cozidas, engulo tudo que tenho direito junto com água da torneira, bebo mais cerveja do que um velho de bar, fumo uma carteira e meia de luckies por dia, funciona tudo que é uma maravilha, uma belezura, funções vitais exemplares, tudo de vento em popa.
Agora, quando eu me comporto, lembro como cheguei em casa, maneiro com as dogras, durmo todos os dias (sério! todos os dias! mal, mal pra caralho, tossing and turning por todos os lados, mas todos os dias), não compro cigarro há um mês e compro iogurte e comidas e tem até pão em casa, o que acontece? pifa. Nada funciona, tudo dói, eu só tusso como um mendigo velho, minha barriga está parecendo a do Homer, meu cabelo está uma merda -- isso não tem nada a ver, mas é que eu odiei tão profundamente esta merda que fiz no chuveiro com uma gilete cega que ando pensando até em comprar uma peruca. Mas não adianta, nem peruca adianta, nada vai ser tão legal quanto meu descabelo era, aquele meio-a-meio, aquele rosavermelho, chuife, eu quero o meu cabelo. Quero meus cachinhos no olho. Vou usar uma gaveta na cabeça até crescer de novo. Ou talvez eu deva apenas ir ao cabelereiro. Mas é que eu acho um absurdo esse negócio de gastar com o cabelo. O lance é pintar na pia e cortar no banho. Em quase dois anos, só fiz uma grande cagada, esta que repousa sobre minha cabeça. Auto-cabelereiro is the way.
Enfim.
Meu corpo não está acostumado com essa mamata. Assim que conseguir me mexer de novo, paro de comer essas coisas saudáveis, compro cigarro, encho a cara e volto aos excessos. Aposto como ele vai funcionar direitinho de novo. Até meu cabelo vai crescer mais rápido.
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Esquece. Esquece tudo. Agora tudo faz sentido. Vou ali comer uma maçã e já volto, reclamando do Natal. Já está na hora de reclamar do Natal. Tipo isso.
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Mas antes, uma traduçãozinha do Billy Childish, aquele. Sabe? Pois devia.

the billy childish

eu sou billy childish
ex-bêbado
e punheteiro compulsivo
vomitador madrugueiro de bebida boa
beijador de mulheres de lábios roxos
escritor de poemas celebrando
o vazio do meu amor
poemas famintos pelo momento
da minha paixão
desejando que sempre fosse assim
para que meu pau não caísse

eu sou billy childish
ex-homem forte
e amantezinho barato
nomeador madrugueiro de nomes
corruptor dos literatos
escritor de poemas que ousam
que sonham
os séculos
e tocar os corações dos que
ainda irão nascer
desejando segurá-los
em meus braços
e beijá-los todos

eu sou billy childish
ex-poeta
e suicida fracassado
vomitador madrugueiro de verdades e mentiras
beijador dos rabos de garotas
como as estrelas de deus
escritor de poemas para lamber
as coxas dos mortos
para as ex-amantes denunciarem
e as professoras odiarem
desejando pintar minha vida
e nunca deixar que minha
voz se cale
.
.
.
the billy childish

i am billy childish
ex drunk
and compulsive masturbator
late nite vomiter of good liquor
kisser of purple lipped women
riter of poems celebrating the
emptiness of my love
poems hungering for the moment
of my passion
wishing it could always be so
to never let my cock fall

i am billy childish
ex strongman
and 2-bit lover
late nite namer of names
corrupter of the literate
riter of poems that dare
to dream to pass down
the centurys
and touch the harts of the
the yet-to-be-born
wishing to hold them
to my arms
and kiss them all

i am billy childish
ex-poet
and failed suicide
late nite vomiter of truth and lies
kisser of the arses of girls
like the stars of god
riter of poems to lick
the thighs of the dead
for ex-lovers to denounce
and teachers to hate
wishing to paint my life
and to never let my
voice quietenfrom
.
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Tchau.

.: Clara Averbuck :. 9:16 PM

Jesus, what a mess.

.: Clara Averbuck :. 9:05 PM

segunda-feira, dezembro 09, 2002

Gossip Generator
Eu, Ilana e meus lindos cabelos mortos, na época em que eu era uma junkie saudável e sorridente.


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Ah, os velhos tempos. *sigh*

.: Clara Averbuck :. 10:39 PM

Ars Amatoria

Nunca mais vou falar no Bukowski, agora todo mundo fala no Bukowski, todo mundo sempre conheceu Bukowski, sempre conheceu o Fante, todo mundo sempre ouviu Stooges e Velvet Underground, todo mundo sempre foi assim até a próxima moda, é isso? Então está certo.
Vou voltar a escutar meus Mike Patton e Ween em paz e ler Ovídio bilíngue, minha nova obsessão que eu nunca mais vou parar de ler até achar que sei o suficiente de latim, daqui a uns 86 anos.
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(...)

A cólera dos deuses
Não resiste à brandura de uma voz suplicante.
Faze promessas! fazê-las não te custa.
Com promessas enriquece muita gente.
Faze promessas! a esperança é duradoura
desde que um grão de fé se lhe acrescente.
És, esperança, uma deusa enganadora
mas os enganos tece utilmente.
Se fizeste uma oferta à tua amante
corres o risco de ser abandonado.
Ela não perde nada
e o lucro já teve no passado.
Mas se o presente ainda não foi dado
podes sempre a aparência simular
de quem mais uma oferta lhe vai dar.
É, assim que ludibria o campo estéril
freqüentemente a esperança do seu dono,
é assim que o jogador, para não perder,
não cessa de jogar,
e nunca os dados deixam de atrair
suas cúpidas mãos.
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(ou)
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Flectitur iratus uoce rogante Deus.
Promittas facito; quid enim promittere laedit?
Pollicitis diues quilibet esses potest.
Spes tenet in tempus, semel est si credita, longum;
Illa quidem fallax, sed tamen apta Dea est.
Si dederis aliquid, poteris ratione relinqui;
Praeteritum tulerit perdideritque nihil.
At quod non dederis semper uideare daturus;
Sic dominum sterilis saepe fafellit ager;
Sic, ne perdiderit, non cessat perdere lusor
Et reuocat cupidas alea saepe manus.

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Vamos ver se o Ovídio me ensina o que eu ainda não sei.
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A questão é obteres de uma mulher
os primeiros favores sem lhe dares nada;
para que não de de graça o que já deu
em dar-te ficará sempre interessada.
Que parta pois esta primeira carta
em que ternas palavras a cera trabalharam.
Que ela sonde a alma da mulher
e o caminho tateie com cuidado.
Por uma carta numa maçã escrita
foi Cidipe enganada
e sem se aperceber viu-se a donzela
nas próprias palavras enredada.
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Pobre Camila.
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Agora vou ali voltar para a cama e ficar em posição fetal, só assim meu rim pára de doer.
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Mas antes eu vou comer comida mexicana, pendejo.
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Oh, sim. Obrigada pelos emails, estou melhor. Parei até de delirar de febre um pouco. E não se preocupem, meu namorado e minha namorada estão cuidando bem direitinho de mim.

.: Clara Averbuck :. 10:10 PM

Procura-se
esqueci em casa da outra vez

Preciso de um mestre.
Sim, um mestre, um professor, alguém que me diga coisas interessantes, que me xingue, aponte os erros debaixo do meu nariz, me mande tomar vergonha na cara e ler alguma coisa que me deixe maluca como há anos eu não fico por algum escritor (ou não ficava, porque agora tem o Ovídio), brigue comigo, me deixe puta, seja meio pai, meio irmão, meio barbudo, um mestre, sabe? Mas não um cuzão qualquer de faculdade, um mestre de verdade, com aquele brilho nos olhos e aquela autoridade que só os mestres têm e que não se aprende em mestrado nenhum. Mestres são mestres e fim.
Quero um mestre tão culto que me deixe tonta. Que escreva muito, muito, infinitamente melhor do que eu, porque eu só respeito a opinião de quem escreve melhor do que eu. Queria que fosse o Leminski, por isso devoro sua biografia de tempos em tempos, seu livro de cartas, seus poemas, seu Catatau, tudo, tudo, tudo, sugo até a última gota, e ele fala comigo, sempre ele fala comigo, há anos, mas eu queria um mestre vivo, morto eu já tenho um.
Eu sei que vou achar quando for a hora. Mas eu quero, preciso de um mestre literato fodão que me dê um pouco de disciplina, um pouco de alguma coisa que eu não tenho e sinto falta.
Fazer tudo sozinha cansa demais. Eu sei onde quero chegar, mas quero alguém pra conversar comigo no caminho e me avisar onde ficam os buracos da estrada. Falar sozinha cansa demais.

.: Clara Averbuck :. 10:08 PM

sábado, dezembro 07, 2002

Pedra no rim.
Infecção no rim.
Dor, dor, dor.
Nunca senti tanta dor na minha vida.
Um monte de remédios.
Um saco.
Meu testamento tá com a Jeanne.

.: Clara Averbuck :. 11:21 PM

quarta-feira, dezembro 04, 2002

mentira, mentira, mentira

Dorme comigo hoje, eu pedi, só dorme, só dorme comigo, assim, grudado, e ele gemeu, ai, você gosta de dormir abraçada?, e eu gosto, disse que gostava, então ele foi, e no caminho ele continuava gemendo, dizia que eu era veneno, que eu era doce demais, que não podia, não deveria estar fazendo isso, que aiaiai, mas o carro ia cada vez mais rápido, e eu meio sorrindo em silêncio pedindo deus, se você está aí, deus, me dá esse menino, porque eu só quero esse menino, eu não quero mais nada, mas acho que deus não estava lá porque ele levantou antes que eu acordasse, a cama cheia de sangue, os lençóis revirados, os travesseiros caídos, minhas coxas meladas de porra, o barulho do zíper, zuuit, acordei com o barulho do zíper e ele estava indo embora, e eu disse não vai, e eu disse deus, alô deus, mas só deu pra escutar as chaves virando e o elevador abrindo. Não dormimos juntos. Ele disse que me amava quando gozou nas minhas costas e eu ri e disse não ama não, shhh. Ouvi a porta do carro batendo, barulho do motor, abracei meu gato e dormi. Nunca mais falei com deus.

.: Clara Averbuck :. 8:23 PM

Hoje eu passei o dia na Santa Casa, morrendo de dor. Eu tenho algum leitor médico?

.: Clara Averbuck :. 8:22 PM

Em busca do Marreco Sagrado ou Pagando o Pato
Estrelando: Cassiano Fagundes & Clarah Averbuck

Rodamos, rodamos e rodamos, procurando alguma placa que indicasse o caminho. Nada. Rodamos mais. Nada. Tudo com cara de fechado ou fechando, todo mundo com cara de sono. Rodamos mais e mais, entramos em ruelas, acabamos em becos, demos a volta e nada. O jeito era perguntar, o que tentamos evitar ao máximo, considerando que estávamos em Joinville e que a diversão dos catarinenses consiste em emular portugal e fazer piadas ao vivo com pobres turistas como nós.

- Oi, amigo, sabe onde tem Marreco Recheado?

O cara riu bem na nossa cara, despudoradamente, como se tivéssemos perguntado algo absurdo. Ótimo. Continuamos rodando, rodando e rodando. Na vinda, vimos um bilhão de placas anunciando o tal do Marreco Recheado, assim mesmo, cheio de maiúsculas, um Marreco, Mar-re-co, e ainda era Recheado, uau, que delícia devia ser o tal do Marreco Recheado, acompanhamentos inacreditáveis, abundância total, um verdadeiro banquete real para dois esfomeados que pegaram a estrada depois de um dia ruim.

Não, desculpe, não foi um dia ruim.

Um dia ruim é quando você dá uma topada no dedinho e esquece o leite fervendo no fogão. Em um dia como aquele, algum alcoólico anônimo destrói o carro do seu namorado e você perde o lançamento do seu livro depois de passar três horas no trânsito e descobrir, ao chegar no aeroporto, que a sua reserva caiu e que você se fodeu. Para melhorar, estava sem um centavo no bolso, pois os contratantes insistem em achar que "free-lance" significa "lance grátis", esquecendo deliberadamente de pagar infelizes que dependem disso como eu. Sensacional. Mas o Cassiano tinha algum dinheiro, oh sim, ele tinha, e estava disposto a gastá-lo com o Marreco Encantado. O que não era o suficiente, porque não conseguíamos encontrá-lo. Não havia nenhum restaurante aberto, aliás, a cidade é que parecia estar fechada. Nenhuma alma em nenhum lugar, nada, ninguém na rua, uma noite quente de sábado e ninguém na rua, nem uma bicicleta, nem um cachorro vagabundo. Nada. Eu já tinha bebido todo o vinho do lançamento, que estava absolutamente vazio, salvo um maluco que me entregou um calhamaço de poemas ruins escritos para a minha personagem. Certo. Obrigada, moço. Minha diversão na livraria foram os vários dicionários e livros de gramática latina, minha nova obsessão, que me fizeram companhia naquela livraria solitária. Eles e o garçom, que nunca deixava minha taça plástica vazia. Então tudo que eu tinha no meu estômago era um pão de queijo e um galão de vinho ruim, e mesmo assim o Marreco insistia em se esconder.

Decidimos pegar a estrada, onde vimos todas aquelas placas tentadoras nos avisando sobre o Marreco, aquelas malditas placas que mexeram com nossa imaginação carnívora.

Marreco, Marreco, Marreco.

Marreco Recheado, servido em uma travessa fumegante com batatas e florzinhas de tomate. Acompanhado de tudo. Saladas coloridíssimas. Molhos indescritíveis. E arroz, é claro.

Marreco, Marreco, Marreco.

A estrada escura, nenhuma placa, nenhum outro carro além do nosso. Conversávamos sobre outras coisas, todas as outras coisas que existem no planeta terra, mas o Marreco nos atormentava. Ele estava ali, presente, grasnando em nossos ouvidos, a cada intervalo de música, a cada retorno, cada casinha de beira de estrada.

Marreco, Marreco, Marreco.

Estávamos a uma hora em busca do Maldito Marreco. O Marreco Suculento, a carne macia, as cobrinhas de cheiro que não existiam fazendo cócegas em nossos estômagos bêbados. Um molho de mostarda, talvez. Fritas, definitivamente ele viria com fritas, as melhores fritas da cidade. Do país. Do continente. O Marreco e Suas Fritas.

De repente, uma placa. Tinha que ser de restaurante, tinha que ser o Restaurante Marreco de Ouro, com seu Absurdo & Desbundante Marreco Recheado.

Mas não era.

Estávamos indo para Curitiba. No caminho errado, inverso, cada vez mais longe do Marreco. Choramos e procuramos um retorno, cada vez mais determinados a achar o Marreco e com cada vez mais certeza que não acharíamos o Marreco, que ele era mais uma das piadas sem graça daquela gente, que eles retiravam todas as placas à noite para que os turistas esfomeados sonhassem com o Marreco Encantado.

O caminho de volta foi mais longo. Todas as placas que falavam do Marreco estavam apagadas, todos os restaurantes fechados.

Até que houve uma luz.
E era uma placa. E havia uma seta apontando o caminho, e sim, era a Estrada Para O Marreco Imaculado. E o restaurante estava aberto, e sim, havia Marreco, o Indecente Marreco Recheado e Seus Acompanhamentos Pagãos. A busca havia chegado ao fim. Trombetas soaram, anjos cantaram, garotas de biquíni nos abraçaram debaixo de uma chuva de papel picado e balões coloridos. Nós conseguimos.

Pedimos e esperamos.
Esperamos. Esperamos. Esperamos.

E chegou.
E era uma droga.
E não era recheado. O recheio ficava por fora.
E os acompanhamentos tinham todos gosto de chucrute.
E o marreco era pequeno, quase um marrequinho, e era apenas um frango metido a besta, não um Marreco, não um Marreco Recheado Polpudo, apenas um marreco com umas coisas estranhas em volta que eu não comi.

Mais tarde, pedi um xis em um boteco e fui para o hotel dormir o sono dos justos, determinada a nunca mais comer nenhum bicho que eu desenhava na infância.

.: Clara Averbuck :. 8:19 PM

Senhor, livrai-nos da TFP
[terça]

Tempo, tempo, tempo. Fazer tudo correndo, escrever tudo correndo, ler emails correndo, não responder nada, nunca, porque não tem tempo, tempo, tempo, filho da puta me atropelando, me fazendo correr, me beliscando as canelas como se eu tivesse que chegar em algum lugar, mas eu não tenho, estou aqui, quero ficar aqui sentada, mas ele não deixa, me empurra, corre, corre, corre, eu sou o coelhinho da Alice, me enfiando na toca e caindo no buraco. Quero sair daqui, quero minha casa, meus livros, meus discos e meus gatos, mas demora, demora, demora, tempo filho da puta me fazendo correr na esteira, correndo sem sair do lugar, para chegar em lugar algum a tempo.

Vontade de urrar, rasgar a roupa e gritar até suar, até quebrar tudo, derrubar prédios, vitrines, estourar copos de cristal lá do outro lado da cidade.

50 centavos no bolso - de novo -, bebendo chá para enganar a fome. Ainda bem que a minha fome é fácil de enganar. Já os credores não o são, então não saio de casa. Eles estão na porta, eles estão por todos os lugares, e eu não tenho como pagar, não tenho de onde tirar, preciso esperar, esperar, esperar, não tenho a quem pedir porque dá vergonha. Mendigar é uma coisa, ter alguém ao seu lado resignando-se em pagar porque você não tem é outra muito pior, mais frustrante, mais desgastante, mais dolorida. Recuso-me a depender de alguém e ainda assim dependo e quero morrer por isso, arrancar meu estômago e jogá-lo na privada para que nunca mais me incomode nem peça nada.

A vida é muito mais fácil quando você definha sozinho.

Se eu for dar uma voltinha, vai ter o altar da TFP. Copiei a oração que tem lá, sob olhares indignados de um homem de branco.

"A TFP pede aos passantes uma Ave Maria, para reparar junto, a gloriosa Mãe de Deus a injúria que assim ela sofreu e também para alcançar que ela mantenha o Brasil imune das investidas do comunismo."

=O

I-na-cre-di-tá-vel.

Eles deveriam era rezar por alguém que escrevesse umas precezinhas melhores, vou te contar. Eu não agüento, não posso acreditar que a TFP é uma coisa séria, uma máfia misógina séria, aquelas pessoas de toga tocando trombeta e pedindo a deus que livre o Brasil do comunismo, não pode ser real. Não consigo nem dizer nada de tão patético que soa, de tão sem sentido, tão surreal. Pena que o Monty Phyton não teve a chance de conhecer a TFP. Rapaz, seria hilário.

Então agora eu vou ali comer uma esfiha de 0,45 e guardar os 0,05 no cofre de porquinho. Se alguém quiser me pagar uma janta, juro que não reclamo nem opino nos pratos. Obrigada.

.: Clara Averbuck :. 8:19 PM

Das coisas esquecidas atrás da estante

O começo nunca teve fim.
Busco o sofrimento como o moribundo no deserto à procura de água, rastejando, cega e surda, sem sentir nada além do cimento na barriga.

Não, eu não odeio.
Eu não amo.
Eu não esqueço.
Eu não quero.

O começo nunca teve um fim e para sempre vai ser um começo, como os contos de fadas que acabam no meio; e foram infelizes para sempre. Sem fim, sem fim. O príncipe se enforcando na ponte do castelo, tirando a corda do pescoço ao fim da cena, porque é tudo uma grande farsa, e ele não é um príncipe, apenas um menino bobo.

E todo o dia seguinte é lindo e quente e ensolarado e me atordoa porque é claro demais e eu vejo todas essas feridas e lambo todas essas feridas e elas nunca cicatrizam, toda vez que o dia chega elas estão lá, no mesmo lugar, marcas de ferro e fogo ao lado do coração burro todo sujo de tinta. Então o tempo fecha e chove, chove, granizo castigando o mundo, o céu despencando, a lama correndo aos meus pés e me afundando, sujando tudo, o olho borrado, tudo embaçado, tudo errado e fora do lugar, o vento dançando nas cortinas, jogando umas gotinhas geladas no meu rosto, perguntando porque eu não chorei. Olha, eu tentei, o sentimento estava lá, engasgado na pontinha dos meus cílios, uma lua crescendo na minha garganta, eu entre o sofrimento que me daria o que eu quero e a felicidade que me dá o que eu acho que não posso suportar porque é bom demais, porque tudo que é bom está errado, o inferno é que está certo, cutucando minhas costas com um tridente e me empurrando para frente.

O dia tem luz demais, prefiro a noite, onde meus olhos ficam muito abertos e as coisas fazem sentido. De noite é tudo como eu quero. Não tem dia no inferno. Não tem dia, não tem flor, não tem nada bonito. O inferno, querido, é meu céu. O dia não faz sentido. Sofrer faz sentido, dê cá meu chicote, já que você não tem coragem de bater.

Sem fim, sem fim. Tudo que eu tenho é um ponto final.

.: Clara Averbuck :. 8:18 PM

segunda-feira, dezembro 02, 2002

O progresso científico deu tilt

`Certo, já podem parar de me mandar as "minhas" fotos "nua", também conhecidas como montagens grotescas. Já vi, já vi.

Poxa, cara, alguém realmente acha que se eu tivesse aquela bunda, estaria perdendo meu tempo e sendo uma escritora desgraçada e pobre? Tenha dó. Estaria posando para catálogos de biquíni e cobrando caríssimo para mostrar os peitos por aí em vez de publicar textos de graça e discotecar de graça e falar coisas sem graça.

E parem também de reclamar que eu não posto. Ou me dêem um speedy, um modem e um telefone. Mas tá, amanhã eu vou postar um monte de coisas, mas é que hoje eu esqueci o disquete laranja em casa. Tem umas coisas, sabe. Umas coisas novas, falando das coisas velhas de sempre.




.: Clara Averbuck :. 9:29 PM

Acesse os arquivos por aqui:

  • wanna find me?
  • miau?
  • me espalhe, sou uma peste
  • eu leio a bust